quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Mar

15 hrs da tarde, absolutamente nenhum tipo de umidade no ar, absoluta ou relativa. Sentado à janela de seu escritório, vestido de tédio, impecável, contemplando a dança seca da parede branca à sua frente. Até que um cheiro de mar, um cheiro de mar, denso, nostálgico, entrou pela janela e lhe encheu as narinas, os poros, os pulmões. Levantou-se confuso, tropeçando nas cadeiras, saiu pelo corredor, estava cego e transtornado, estava vivo. Corria gritando "Cheiro de mar! Cheiro de mar!", derrubando a secretária contra a parede, como um ogro, como um homicida. Tropeçou uma vez mais nas próprias pernas, que, por um truque dos sistemas nervoso e motor, não compreenderam os comandos que lhe foram passados por um cérebro invadido por um cheiro de mar. "Cheiro de mar!!". As pessoas da empresa cochichavam, zombavam, enquanto ele passava como um raio rumo à porta de saída. Numa velocidade séria. Num espasmo, saiu pela rua ziguezagueando os carros até ser colhido por uma motocicleta que o arremessou a cerca de 8 metros. Com o rosto alegre encostado no asfalto quente, com as pernas retorcidas como galhos de trepadeira, olhou os curiosos que se aglomeraram em torno de seu corpo caído, porque a alegria do ser humano reside na visão da desgraça que se torna bela por não ser a sua, e disse baixinho: "Cheiro de mar".